quarta-feira, agosto 10, 2005

Saga de uma alma sem rumo (parte II)

Caminhavam os dois havia horas. Ele parece ter perdido os sentidos porque não se lembrava de nada desde que sentira o impulso de seguir o híbrido másculo-feminino. A pessoa que o acompanhava continuava a sorrir. Isso transmitia-lhe uma calma... uma serenidade inexplicável. Seguia-o. Talvez a pancada que tinha dado com a cabeça tivesse sido de tal forma que estava de alguma maneira quase inconsciente, como que em estado de transe. Sim era isso. Já ouvira falar de pessoas que ficam atordoadas depois de uma valente pancada na cabeça. Possivelmente aquele sujeito seria um enfermeiro que já o tinha medicado e deviam andar a caminhar no jardim do hospital.O sujeito parou... colocou-lhe a mão na cabeça e assim que lhe tocou ele perdeu imediatamente os sentidos, primeiro uma névoa e depois a escuridão.Ao fundo conseguia ouvir vozes, não via nada, era tudo breu. Ouvia o seu nome, pessoas a chorar, algumas vozes conhecidas. Não conseguia sequer pensar no que lhe estaria a acontecer, sentia-se seguro e confiava no enfermeiro simpático que o tinha medicado. De repente tudo acalmou, já não ouvia, já não via, apenas conseguia cheirar um aroma agradável que lhe entrava pelas narinas. Respirava...Acordou sentado numa cadeira... não era bem uma cadeira era uma almofada branca enorme em forma de cadeira, mas não era definitivamente uma cadeira porque não tinha pernas, mas não tocava o chão.Olhou em redor e pode ver uma paisagem branca infindável. O aroma agradável continuava a assaltar-lhe as narinas, mas era bom e calmante. Em frente uma secretária... não, uma base sólida branca que pairava no ar, não podia ser uma secretária, se era fugia ao estilo de todas as secretárias que tinha visto até então.
Numa cadeira igual á dele sentava-se um homem muito velho mas com uma aparência jovial."Quem é o senhor e onde estou?" – perguntou ele ao velho. "Tem calma, tudo a seu tempo, ainda não estás preparado... O meu nome é Pedro e sou eu que te vou guiar a partir de agora até decidirmos o teu destino."Nada fazia sentido nas palavras daquele homem. Era muito velho e por isso devia estar senil ou louco.Aquele hospital era muito agradável, mas não estavam a cumprir as normas, já que o doente tem o direito de saber sobre o seu estado e o prognóstico. "Já contactaram a minha família?" – perguntou. "A tua família já sabe de tudo, não te preocupes, vai tudo ficar bem." O velho não voltou a falar-lhe por mais perguntas que ele fizesse. Limitava-se a estar sentado na cadeira a olhar para cima a murmurar sons imperceptíveis. Devia estar a cantar. Provavelmente era um louco. Que estupidez... tinham-no colocado no mesmo quarto que um louco e fosse violento?... Resolveu exigir ao enfermeiro que o levasse para outro quarto ou, caso contrário, quando a família o fosse visitar ele faria queixa e os familiares encarregar-se-iam de seguir os procedimentos legais. Mas o enfermeiro não chegava. Ele esperava e quase desesperava, mas havia algo que não o deixava ter esse sentimento. Devia ser aquele aroma, não era intenso, mas ele sentia-o bem. Cheirava...Passado algum tempo, não se sabe quanto, o velho disse "Já está.". Ele ficou perplexo a olhar. O velho levantou-se e fez-lhe sinal para o acompanhar. Ele não queria, mas mesmo assim foi. Que estranho, já era a segunda vez que seguia alguém como se a sua própria vontade não valesse de nada. Logo ele que era tido como um teimoso e cabeça dura, estava a deixar-se levar por desconhecidos.Seguiu o velho por largos passos mas parecia que não saiam do mesmo lugar. Era tudo igual, uma infindável paisagem branca, mais nada. Pararam.O velho coloca-lhe as mãos em volta da cabeça e assim que lhe toca ele começa a ver imagens da sua vida. O nascimento, a entrada para a escola, aquele vaso que ele tinha partido à mãe, a adolescência, a paixão pela primeira e única namorada, o trabalho o nascimento das filhas e finalmente o momento em que caiu e desmaiou naquela rua onde não havia ninguém, mas que durante o dia era a mais movimentada da cidade. A vida passou-lhe toda em frente dos olhos segundo por segundo. Uma angústia apoderou-se dele. Sentia que havia algo que não tinha feito e que agora era tarde demais. "Percebes agora?" – perguntou o velho. "Há uma ideia que me está a passar pela cabeça, mas é ridícula... morri?". O velho não disse mais nada e ele percebeu que a ideia que lhe passara pela cabeça era a mais pura das verdades. Tinha morrido.Muito havia ainda para fazer.

Noite

Anoiteceu lá fora.
É tão fria esta hora.
É tão pouco estar sozinho...
Já não se ouve o canto dos pardais,
Nem a musica de outros tais.
É tão gelado não ter carinho...
Ouço e chove.
Já nada me move.
É tão triste o meu cantinho...
Mas algo me alcança,
Serás tu a esperança?
Já não sei... Bebo mais um copo de vinho.